Saí do autocarro e fui assolada por uma lufada de ar frio. Não ar fresco, frio. Pensei para comigo, que se tivesse em Londres, já estava a bater o dente. E provavelmente, estaria mais bem agasalhada.
A primeira palavra que me veio à cabeça foi "frio". Mas que frio! Contudo, à medida que andava e que o ar me fazia lacrimejar do olho direito (sempre do olho direito), fui pensando melhor nessa palavra e no que ela significa para mim.
O frio nunca foi meu amigo. Ou melhor, eu nunca fui amiga do frio. Sempre fui menina do sol, da praia, do calor, tendo crescido a passar Verões inteiros na praia. Sempre mostrei com orgulho o meu bronze e gabava-me das minhas técnicas dentro de água, vindas dos dez anos passados a praticar natação.
Usava saias, calções, vestidos, manga curta, manga cava...tudo, menos chinelos, esses só os usava quando ia para a praia. Mas o suplício que era, todos os anos, tirar os casacos de inverno dos confins do roupeiro, ir comprar uma ou duas camisas mais quentes e usar gorros. O suplício que era tomar banho e sair de lá resfriada, apesar de ter embaciado os espelhos com a temperatura alta que usava no banho. Que coisa mais chata, ter de acordar de manhã e sair do quentinho dos cobertores! O frio era muito o meu inimigo e eu não gostava nada dele.
Quando me mudei para Londres, não me conseguia conformar com o facto de haver frio o ano todo. As pessoas pensam que nós exageramos quando dizemos que, lá, é inverno durante onze dos doze meses que tem o ano. Chove em Julho e neva em Outubro. É a mais pura das verdades. E eu não conseguia aceitar. Tinha medo do frio londrino. Fiquei doente vezes sem conta durante o primeiro ano que lá estive. Não me mentalizava que a lua tinha passado a ser quem eu mais via, em vez de ser o sol. Tinha medo de não ver mais o sol.
Quase cinco anos depois, o frio é o meu maior companheiro. Gela-me os ossos e deixa-me sem ar. Deixei de usar saias, calções, vestidos e passei a usar calças, sweaters, hoodies e casacas. Aprendi a magia das camadas, pois cá fora o frio era tanto quanto o calor dentro dos edifícios da minha universidade onde tinha aulas. Tomava banho e em vez de refilar quando tinha de sair, fazia-o de forma silenciosa, porque o frio depois do calor quente da água me sabia bem. Parece que me enchia de algo que o calor me roubava. Acordava todas as manhãs incentivada pelo frio - incentivada para ir a correr à cozinha beber o meu café. E assim, muito de mansinho, sem eu me aperceber, quase sem eu dar por nada, o frio foi ficando, em mim e o medo foi indo. Já não fico doente no Inverno, mas sim quando as temperaturas aumentam e fica calor. Dou por mim a chamar pela chuva, quando dantes lhe rogava pragas porque quem tem um cabelo como o meu (meio encaracolado, volumoso, com tendência para ser frisado) não gosta de chuva. Dou comigo a ansiar pela chegada da lua, para lhe poder contar como foi o meu dia, para poder confidenciar nela os meus muitos segredos.
Continuo a gostar do calor. Do sol. Da praia... a minha praia, da qual tenho muitas saudades. Mas, e este pode ser um medo muito tonto e descabido mas é o que eu estou a partilhar agora convosco aqui...o medo do frio, foi-se.
E enquanto caminhei em direcção ao meu destino naquele dia, com o frio do meu país a encher-me os pulmões e o vento a soprar aos meus ouvidos, só conseguia pensar no quanto o frio de Portugal me aquece.