Vão-se embora
Ultimamente tenho-me sentido presa. Pior...sinto-me a regredir. A voltar à pessoa que era há um ano atrás, mais ou menos por esta altura. Acho que isto tem a haver com o facto de passar a maior parte dos meus dias em casa, a mudar da cama para a secretária e a levar os livros comigo para estudar. Sinto que não sou eu, esta pessoa morta que se resigna a passear pela casa para não ter de explodir a qualquer momento.
Essa pessoa é o meu pai; não eu. Não... eu sou a rapariga que se deita cedo para na manhã seguinte levantar cedo também e ir correr. Sou a rapariga que canta pela casa fora, que dança sem medo de que alguém a esteja a ver. Sou a rapariga que não pensa no que não tem para fazer amanhã porque não se importa. Sou a rapariga que não acorda com um aperto no coração todas as manhãs e se deita com um ainda maior.
Eu sou essa rapariga. Ou era...ultimamente não tenho sido essa rapariga. Tenho sido uma versão mais apagada dela.
Deito-me tarde porque o sono não quer nada comigo; levanto-me tarde de mais para ir correr e depois perco a vontade, por isso, a única corrida que faço é a do meu quarto para a casa de banho. Já não canto pela casa fora e dançar muito menos. Passo os dias em casa, fechada, a desejar não estragar a minha vida. A desejar que o dia 11 de Julho me diga: acabou. Agora podes fazer o que quiseres.
A desejar não sucumbir aos erros do passado.
Agora, ultimamente, tenho sido essa rapariga. E dou por mim com pena de mim própria. Se há coisa que me chateia é quando vejo as pessoas a olhar para mim com pena. E agora, eu própria me olho assim quando contemplo o espelho.
E eu continuo a dizer, para mim e para as paredes lavanda desta minha torre, que isto tudo vai acabar no dia 26 de Junho às cinco da tarde.
E depois, o meu pior fantasma; o maior de todos surge, a sua voz não mais um sussurro, gritando ao meu ouvido:
"E se não acabar? E se esta é mesmo a pessoa que tu és na realidade? Talvez devesses desistir mesmo antes de tentar."
Vai-te embora voz de merda. Vai-te embora sensação de sufoco. Vai-te embora medo.
Vocês são veneno e aos poucos estão a matar a rapariga que sou.
Vão-se embora para que eu não tenha de ir.