O apelo de uma (quase ex-) lojista
Não gosto de panicar. Parte do meu trabalho enquanto gerente, é ajudar a manter a calma, ou pelo menos tentar. Eu panico, muito curiosamente, com outras coisas. Coisas tontas, coisas que para muitos podem nem ser razões para panicar. Coisas muito minhas e raramente externas a mim.
Não paniquei com o aparecimento do COVID-19. Continuo sem panicar, mas agora escrevo-vos com um sentimento de preocupação. Não de pânico, não de quem vai sair de casa e atacar as prateleiras de papel higiénico nos supermercados, ou de quem vai encher dois ou três carrinhos de compras para me durarem 6 meses. É uma preocupação consciente e justificada, de alguém que trabalha no centro comercial onde passa diariamente toda a gente. E quando digo TODA a gente, é mesmo TODA a gente. Preocupação, não tanto por mim, mas pelos meus. Pensar que os meus pais ou a minha irmã podem ficar doentes por minha causa, porque eu saio de casa para ir trabalhar todos os dias para um sítio onde existe alto risco de contágio, pesa-me. Não minto.
Mas ao mesmo tempo, pesa-me também o sentido de responsabilidade que ainda tenho para com a minha equipa. Esta semana que vem será a minha última semana a trabalhar onde trabalho de momento, visto que à umas semanas recebi uma proposta de trabalho para a minha área. Essa mesma encontra-se agora um pouco em stand by, devido à situação actual que se vive no país e no mundo, mas acredito que irá avançar na mesma quando as circunstâncias o permitirem. Mas até ao final da próxima semana, ainda vou para o centro comercial trabalhar.
Porque ir comprar roupa num momento como este, pelos vistos, ainda é essencial para alguns (muitos). Entristece-me. Ver colegas minhas a chorar, em plena loja, com medo, com incerteza, com tudo. Porque sentem-se na obrigação de ficar em casa com os filhos neste momento, mas não podem porque ninguém está disposto a dar-lhes o apoio que elas precisam. Sim, é verdade que há ajudas. Mas infelizmente para alguns essas ajudas não chegam. E por isso há pessoas que continuam a ir trabalhar todos os dias, expondo-se a um vírus que ainda não conhecemos muito bem verdade seja dita, e lamentando o facto de vivermos num mundo onde é cada um por si.
Tenho muitos a dizerem-me: " E tu? Deixa de ir! É só mais uma semana de qualquer das formas!"
E eu penso, têm razão. E depois penso nos meus pais e na minha irmã. Mas depois penso na equipa que depende de mim, ainda. Que, em dois meses, me ajudou muito e me fez sentir mal e bem e depois sempre bem. Uma equipa de mulheres todas elas com as suas histórias, as suas batalhas, os seus defeitos e as suas fraquezas. Mas todas imensamente fortes. E penso, tenho uma responsabilidade que preciso de levar até ao fim. E há quem não entenda isso, porque de momento que se lixe tudo, estamos em tempos complicados e precisamos de evitar o contacto social ao máximo. Mas para todos os efeitos, vou trabalhar não porque preciso desesperadamente como algumas colegas minhas na loja, mas porque não consigo ser aquela pessoa que abandona o barco a meio da viagem. Se me comprometi a ficar até uma determinada data, até lá ficarei. Porque na altura a situação do COVID-19 não estava tão avançada na Europa e no nosso país, a decisão que tomei foi porque recebi uma proposta de trabalho e não porque preciso de ficar em casa de quarentena. Ficarei, se entretanto fecharem os centros comerciais (coisa que duvido que venha a acontecer esta semana.) Ficarei até ao fim, porque foi assim que me ensinaram. A honrar os meus contractos e os meus compromissos.
Com isto, fica aqui no entanto o meu apelo a todos os que possam ler este texto. Não vão passear para os centros comerciais. Não vão com os vossos bebés para a loja comprar roupa. Se têm o privilégio de poderem ficar em casa, fiquem. Porque nós, lojistas, vamos todos os dias de coração nas mãos trabalhar desde que a situação aqui em Portugal piorou. E vai continuar a piorar se me forem para o Vasco da Gama, para o Colombo, para o Dolce Vita ou outro centro comercial qualquer às compras como se nada fosse. Não estamos de férias. Mas também não estamos à beira do Apocalipse. Estamos apenas a enfrentar uma crise, que pode correr muito melhor se as pessoas tomarem consciência daquilo que podem fazer para ajudar. Vão aos supermercados comprar apenas o que precisam. Não roubem papel higiénico dos braços de uma velhota. Nem das casas de banho do centro comercial. Não nos perguntem porque é que não dizemos "Boa Tarde" com um sorriso nos lábios, ou porque é que só está uma pessoa em loja. Sejam conscientes. Sejam solidários. Sejam prudentes.
Só assim vamos poder todos voltar às nossas vidas normais mais rapidamente e facilmente. Porque está comprovado que juntos, conseguimos muito mais do que separados. Não é cada um por si. É todos por um.