Estava um caco. Tinha chovido a potes nesse dia e eu não tinha levado o chapéu de chuva. Eu, sem chapéu de chuva em pleno Dezembro, consegues imaginar?
Estavas doente em casa, com febre, e o plano original era ir ter contigo depois das aulas para te fazer companhia e cuidar de ti. Mas os planos mudam. Quando cheguei à porta de tua casa (e só eu sei o que me custou a lá chegar, com aquela chuva toda!), já eu não sabia onde começavam as minhas lágrimas e onde acabavam as gotas de chuva que ainda escorriam pela minha cara.
Tinha sido um daqueles dias de cão sabes? Onde deixei os meus fantasmas levarem a melhor de mim. Quando abriste a porta, envergando umas calças de pijama azuis e uma t-shirt branca que trouxeste de uma das tuas visitas ao Brasil, as tuas bochechas rosadas da febre e o teu cabelo castanho claro um desalinho, foi como se me tivessem finalmente lançado a bóia que me iria ajudar a manter à tona quando as minhas forças para continuar a nadar cessassem.
Olhaste-me de alto a baixo e deves ter achado aquilo que todos acharam quando passei por eles a caminho da tua casa: Esta gaja é maluca. E vai apanhar uma pneumonia daquelas...
Só hoje, ao recordar aquele momento, é que me apercebo que me olhavas com nada mais do que amor estampado nos olhos.
Não me bombardeaste com perguntas. Agarras-te na minha mão fria e molhada e o teu toque quente quase que fez desaparecer o frio que se apoderara do meu corpo. Quase...
Não disseste nada enquanto me levaste para o teu quarto, enquanto me estendeste uma toalha para eu me secar, enquanto me deste umas calças de treino pretas tuas que faziam parecer que eu tinha uma fralda e me deste a tua sweatshirt favorita. Fechaste a porta do quarto depois de saíres, ainda sem uma palavra, para eu me poder trocar à vontade. Nesse aspecto, sempre foste um cavalheiro.
Quando fui ter contigo à sala, o meu cabelo curto, húmido e frisado apanhado no alto da cabeça, estavas a ver Friends. Quando me sentei, sorris-te.
Encostei a cabeça ao teu ombro e chorei. Chorei tanto que me doía a cara, a certo ponto. Chorei tanto que acho que os teus vizinhos acharam que me estavas a fazer mal. Chorei tanto que, a certa altura, tomaste a minha cara nas tua mãos, olhaste-me nos olhos e, por fim, falas-te:
-Pára. - A tua voz saiu rouca, por estares doente. A minha saiu fraca, por estar a chorar.
-Não consigo. - Mais lágrimas.
-Consegues sim. Estás esquecida de quem és?
-Acho que é por isso que n ão consigo parar de chorar. Acho que já não sei quem sou.
Agarraste nas minhas mãos e aqueceste-as nas tuas enquanto me dizias aquilo que eu precisava de ouvir e não necessariamente o que eu queria ouvir.
-Eu não sei o que desencadeou isto - Mais uma vez, olhaste-me de alto a baixo - mas eu sei quem tu és. TU és a rapariga que goza com as raparigas que vão ter com os namorados a chorar. És a rapariga que em vez de andar sem chapéu-de-chuva em pleno Dezembro, até no verão anda com ele, só para o caso. És a rapariga que dá saltinhos de alegria de cada vez que vê a série Friends a dar na TV. És a rapariga que não chora até deixar uma marca do tamanha da sua cara na minha t-shirt favorita.
Funguei. "Que atractivo", pensei eu depois do barulho esquisito que fiz.
-Talvez eu já não seja essa rapariga. Ou talvez eu nunca tenha sido e tenho andado este tempo todo a fingir. Eu já não sei. Não sei nada... - As lágrimas teimavam em não desaparecer.
-Bom, então ainda bem que eu sei. Pára de chorar, acalma-te e conta-me o que aconteceu.
Com alguma dificuldade em fazer a 1ª coisa e com alguma relutância em fazer a 2ª, lá o fiz. Ias tossindo e assoando-te pelo meio e às tantas já estava tão enervada com a tua tosse seca e com o teu ranho constante, que te preguei um estalo no braço. Já não chorava; já não tinha vontade de o fazer.
Tu riste-te e esfregaste o braço.
-Tu és esta rapariga. A que chora que nem uma Maria Madalena arrependida num momento e que no outro me está a bater porque a minha constipação a está a incomodar. És complexa, dramática, bruta e irritadiça.
-Obrigada! - Respondi em tom de sarcasmo.
- Cala-te que ainda não acabei. - Cruzei os braços e sacudi os lenços de papel (meus e teus) de cima do sofá para o chão. Depois, mais tarde, iria deitá-los no lixo. Abanas-te a cabeça de um lado para o outro com, um sorriso nos lábios, e continuas-te.
-És a rapariga que faz com que um nó se forme no meu estômago quando me apareces à porta de casa encharcada e a chorar. És a rapariga que fica nua no meu quarto sem eu lá estar. - Ri-me - És tu que fazes com que 39º de febre sejam nada. És tu a rapariga que eu não me importo de ter a manchar a minha t-shirt favorita. Mas és tu também que fazes a malta rir; que abraça e apoia os chorões; que grita e se revolta por coisas pelas quais mais ninguém grita ou se revolta; que chora mas que rapidamente limpa as lágrimas, levanta a cabeça e sorri. Está bem? Sorri. Levanta a cabeça e sorri. Nunca te esqueças que por muita merda que te possa cair em cima num dia, tens sempre motivos para sorrir. Só precisas de parar de chorar tempo o suficiente para pensar neles.
-Tenho um dees aqui mesmo à minha frente. - Digo, com um sorriso a espreitar-me nos lábios.
-É, eu sou o motivo do sorriso de muita gente. - Um sorriso matreiro e um olhar convencido.
-Quem disse que eu estava a falar de ti? - Funguei pela última vez - Estava a falar da minha série favorita, que está agora a dar na TV. - Um sorriso matreiro, desta vez, meu.
-Ah-ah! - A gargalhada era falsa, mas o sorriso não. Puxaste-me para ti, o teu braço sob o meu ombro, e apertaste-me contra ti, como se quisesses fundir os nossos corpos.
-Vamos lá pôr-te a sorrir então. - Carregaste no play e de repente, oiço a voz do Chandler a sair das colunas da televisão.
-Já puseste. - Sorri e olhei para cima, para encontrar os teus olhos castanhos. Depositas-te um leve beijo nos meus lábios e o frio que sentia esvaneceu-se por completo.
Assim como as lágrimas, a dor e a incerteza.
Agora aqui, a escrever-te, vejo-me a cair de novo na mesma incerteza que me levou a procurar conforto em ti nesse dia. Já parei de chorar e agora penso nos motivos para sorrir.
Só tu me vens à mente.
As lágrimas regressam. Afinal o teu conselho tem um defeito.
Tu.
Naquele dia, foste tu que acabas-te a cuidar de mim e não eu de ti, como tinha planeado.
Os planos mudam.
E os motivos que nos fazem sorrir também.
Levanto a cabeça e sorrio. Não interessa se tu já não és o motivo desse sorriso.
Ainda tenho razões para sorrir.