Count your blessings
Ontem, pela primeira vez em mais de um mês, vesti calças de ganga, calcei sapatos e sai de casa. Não se preocupem, as medidas de segurança foram todas seguidas à regra. Mas a verdade é que ontem não podia deixar de sair.
Foi o aniversário da minha avó e, mais uma vez, não o pude celebrar com ela. Quando decidi regressar a Portugal, pensei que 2020 seria o ano em que poderia recuperar tudo aquilo que perdi durante os quatro anos em que estive fora. Todos os aniversários a que faltei, todas as celebrações que não pude celebrar, todos os Verões em que não pude ir à praia, todos os almoços e jantares de família onde falamos dos tempos das vacas gordas e rimos com as histórias de outros tempos mais simples.
Recuperar todo o tempo que dispensei noutro sítio, com outras pessoas, noutra vida. 2020 era para ser esse ano. Mas a Vida teve outros planos e estamos na situação em que estamos. Contudo, não queria de todo que a minha avó se sentisse sozinha no seu dia de anos, nem eu, nem o resto da família. Então sai de casa. Estranhamente, o mundo lá fora permanece quase igual. Quase nem notamos as mudanças que esta pandemia trouxe.
Estava um dia lindo, o céu completamente limpo de qualquer nuvem negra, o sol tão quente que fiquei corada mesmo com a janela do carro a separar-nos. Não havia tantos carros na auto-estrada como seria de esperar a um sábado. Mas havia suficientes para dar uma sensação de normalidade, que não é a realidade. Ao chegar a casa da minha avó, viu-se as pessoas na rua, algumas com máscara e luvas, outras sem, a maioria delas vindas das compras, algumas paradas a socializar, com a distância necessária entre elas. Normal, mas estranho. Muito estranho.
E nós? Cá em baixo, todos longe uns dos outros, sem beijinhos nem abraços aquando saímos dos nossos carros, e a avó lá em cima da janela. Ainda bem que ela mora no primeiro andar, pensei eu a certa altura quando já me estava a começar a doer um bocadinho o pescoço. Um de nós foi lá acima entregar o bolo (com as devidas precauções) e durante um bocado fomos uma família outra vez. Sem nos tocarmos, sem nos beijarmos, sem estarmos sequer dentro de casa todos sentados à mesma mesa, falámos e rimos e fizemos um bocadinho de companhia à minha avó no seu dia especial.
Ela chorou. Eu queria muito chorar. Queria muito subir lá acima e dar-lhe um abraço apertado. Eu gosto de todos os meus avós, mas a minha avó paterna é mais do que minha avó. É minha amiga, minha confidente, minha tudo. Tenho uma ligação muito especial com ela, e se me perguntarem de quem tive mais saudades durante todo o tempo que estive fora no passado, direi sempre que foi dela. E agora saudades tenho ainda. Um tipo de saudade diferente, mas saudade na mesma.
Saudade que só passará quando a pandemia o permitir. Ao entrar no carro, já depois de termos todos dito o nosso adeus, só conseguia pensar numa coisa... Que há um ano atrás não teria sido possível sequer vê-la da janela.
No caminho de regresso a casa só conseguia pensar em como é importante continuarmos a tentar encontrar maneiras de permanecermos gratos e positivos nesta situação complicada. De tentarmos ver um lado mais positivo. Há dias em que é mais complicado de o fazer do que outros. Mas há uma frase que eu gosto bastante e que me ajuda a focar em momentos mais complicados... Count your blessings. Simples? Não muito. Mas é isso. É tentarmos ao máximo lembrar-nos das coisas pelas quais estamos gratos. Para não nos deixarmos consumir por completo por esta pandemia e por tudo aquilo de mau que ela traz.
Se não por nós, ao menos, por eles. Aqueles de quem mais gostamos...