Ninguém sabe
Acho que as pessoas à minha volta não se apercebem do quão difícil vai ser, realmente, para mim deixar tudo para trás.
E eu não me acho melhor que aqueles que querem ficar - não sou mais que ninguém por querer ir. Cada um faz as escolhas que melhor lhe assentam e há pessoas que gostam das suas Vidas aqui. Não julgo, não condeno, não digo mal porque eu própria acho que este país é um sítio maravilhoso para se viver - para quem tem poses para isso.
Eu para estudar cá teria de estudar à noite e trabalhar de dia para pagar as minhas propinas e não esqueçamos que na educação, não é só as propinas que se pagam. Eu aguento muita coisa, mas também conheço os meus limites. Acho que é importante, enquanto pessoas minimamente adultas, sabermos os nossos limites e sei que não ia conseguir estudar à noite e trabalhar de dia.
Eu para estudar cá tinha de ir para um curso que roça um bocadinho aquilo que eu gosto, mas que não é exactamente aquilo que eu quero - porque cá não existe nenhum curso especificamente para aquilo que eu gosto.
Eu não sou a Maria, nem a Joana, nem a Joaquina. Eu sou a Alexandra e sempre sonhei diferente. Sempre quis mais do que ficar a morar em casa dos meus pais até aos vinte e cinco ou trinta, a tirar um curso na faculdade que não me enche as medidas, encontrar a minha cara metade, casar-me, ter filhos (...).
Eu sempre quis algo diferente. O que não implica que o que acabei de descrever em cima seja mau ou menor ou inferior aquilo que eu quero para mim. O que é importante para mim não o é para os outros e vice-versa porque nós somos todos diferentes.
Eu respeito e admiro quem opta por ficar e fazer a sua Vida cá - em momento algum eu desdenho de quem o faz. Mas acho que as pessoas não entendem que eu ao dizer que eles "ficam para trás" não é no sentido de "vocês ficam pior que eu por ficarem cá". Longe de mim.
É no sentido de: "vocês vão ficar aqui e eu não". No sentido de: "vocês também podiam vir se quisessem". Mas não querem e eu respeito isso porque todos nós temos sonhos e objectivos diferentes.
Mas acho que o que ninguém tem noção é a quantidade de vezes que eu já chorei à noite, sozinha, com a cabeça na almofada porque sinto que sim, estou a deixar os meus para trás.
A minha irmã vem ter comigo ao quarto, de vez em quando, e do nada diz-me: "Mana, vou ter tantas saudades tuas".
E eu acho que ninguém percebe o quanto isso me quebra. O quanto isso me faz querer ficar. Apesar de ainda não ser um dado adquirido, tudo se move nessa direcção - na de ir.
Eu sei que me faço de forte. Eu sei que guardo tudo para mim. Eu sei que finjo muitos sorrisos e muitas gargalhadas, eu sei que encolho muitos os ombros ou digo muitas piadas para dispensar o assunto. Mas a verdade é que ninguém sabe o quanto me custa e o quanto me irá custar deixar para trás aqueles que amo.
Porque não é uma questão de eles serem menos do que eu por ficarem - é uma questão de eu ir ser menos sem eles, por ir. Porque vou deixar aqui pessoas que me são tudo, mesmo que por vezes me desiludam.
A desilusão faz parte de amar uma pessoa, seja de que maneira for. Se nos permitimos a amar, permitimos muitas outras coisas, incluído desiludirmos-nos com essas pessoas.
Acho que ninguém sabe o aperto enorme com que tenho vivido estes últimos dois meses e o quão maior vai ficar nos meses que se seguem, à medida que o grande momento se irá aproximando. Ainda faltam longos meses, mas eles vão acabar por passar e com eles vão trazer tudo aquilo que as pessoas à minha volta pensam que eu sou imune.
Eu tenho sentimentos. Não sou feita de pedra. É claro que choro baba e ranho só de pensar em me ir embora. Mas também sou sincera - não tenho o suficiente aqui para ficar.
Nunca foi, não é, nem nunca será minha intenção desdenhar dos que ficam e não me acho maior por ir. Até tenho uma certa inveja daqueles que encontram o que precisam aqui, sem precisarem de ir à procura para lugares distantes.
Mas eu passei a minha Vida a viver para os outros - para a minha irmã, para os meus pais, para os meus amigos. Estive sempre lá quando a sirene deles tocava. Dei-lhes a mão quando eles precisavam. Dei-lhes o meu ombro para as suas lágrimas e as minhas palavras assertivas para as suas incertezas.
Agora é a minha vez. E gostava que os que me rodeiam fizessem por mim o que eu fiz por eles durante toda a minha Vida.
Porque acho que ninguém sabe o quanto realmente me custa ter de ir. Acho que ninguém sabe.