Quando me sentei na cadeira de plástico, ostentava o maior sorriso que os músculos da minha cara alguma vez permitiriam. O sol ia alto no céu e este estava limpo, deixando o sol brilhar em todo o seu esplendor, aquecendo os meros mortais da Terra, talvez até de mais. Estava na hora do almoço e o meu estômago teimava em relembrar-me disso a cada segundo que passava sem ser alimentado. Esperei impacientemente pela minha refeição e quando ela chegou sorri abertamente (e novamente). Não sorri porque o meu prato de massas tinha finalmente chegado, mas sim porque quem o trazia era ele.
Ele sorriu em resposta, um sorriso que me fazia mais falta do que o que eu gostava de admitir (a ele e a mim própria). Sentou-se em frente a mim, como sempre fizera e começou a comer sem pronunciar uma palavra. Lentamente, o sorriso desapareceu dos meus lábios e ocupei-os com a refeição que tinha à minha frente (o prato de massas, atenção!) que já não parecia ter tão bom aspecto como eu inicialmente pensei.
Comemos em silêncio, trocando uns olhares aqui e ali. Verificava as horas no relógio a cada minuto insuportável que passava. Não era assim que tinha imaginado passar a minha tarde. Com ele. Finalmente, e porque não sou pessoa de esperar, quebrei o silêncio. Respirei fundo, pousei os talheres e falei.
-Posso provar esse hambúrguer?
-Mal tocaste nas tuas massas!
-Só queria saber.
-Saber o quê?
-O que raio leva esse hambúrguer que o torna tão bom ao ponto de te impedir de me dizeres uma palavra que seja durante uma hora. Captei a atenção dele por completo. Pousou o hambúrguer no prato e respondeu-me de forma acutilante.
-Bom, deve então ter algo que te falta a ti.
Sentia falta disto.
-Talvez um pouco de sal, ou até mesmo uma pitada de pimenta...
-Pimenta, sem dúvida. Falta-te pimenta na língua para não dizeres disparates.
Olhámo-nos durante uns segundos, com um ar sério. Fazíamos isto a toda a hora, noutros tempos. Arranjávamos assunto sobre o qual pudéssemos implicar um com o outro e depois fingíamos estar zangados, apenas para acabarmos a rir às gargalhadas, deixando tudo e todos a olhar para nós como se fossemos um par de lunáticos.
Quando decidimos parar de rir, doía-me a barriga. Vi-o limpar uma pequena lágrima do canto do olho e voltei ao ataque.
-Não chores, eu ainda não me vou embora! Mas só porque estas massas estão divinais e eu ainda tenho muitas no prato!
-Passaste esta última hora a pensar no que me havias de dizer em vez de comer as massas não foi?
Hesitei. Conhecia-me tão bem...
-Nunca desperdiçaria tanto tempo contigo!
-Então porque aceitas-te vir hoje?
A pergunta que pairava sobre mim durante as últimas 24 horas.
-Não sei. Porque estava com desejos de massa e não tinha dinheiro para vir aqui almoçar?
Ele riu-se. De mim e não do que eu disse.
-Admite. Tiveste saudades minhas.
-Nos teus sonhos.
-Nunca perderia uma noite bem dormida para sonhar contigo.
-Mas já perdeste várias para fazer outras coisas que não sonhar. Comigo.
Aquela calou-o e fê-lo mexer-se na cadeira, endireitando-se. Não disse nada, até que decidiu levantar-se.
-Ainda não acabei de comer. - Pousei de novo os talheres e olhei para ele com um ar frustrado. O olhar foi-me devolvido.
-Pois eu já.
Virou-me costas e eu deixei-me estar. Prometi a mim mesma que, acontecesse o que acontecesse naquele dia, não iria correr atrás dele. Essa história já estava a ficar velha.
Fiquei sentada e terminei a minha refeição. Ele tinha-a pago, eu estava com fome, mais valia desfrutar daquela delícia gratuita. Passado o que eu calculo terem sido uns vinte minutos, ele regressa sentando-se mais uma vez à minha frente.
-Ainda estás com fome? - Ergui as sobrancelhas para dar mais ênfase à minha pergunta.
-Não, obrigado. Voltei para te dizer que tu és impossível. Não sei como raio me fui apaixonar por ti. És irónica, gozona, implicativa e teimosa que nem uma mula.
-Casmurra que nem uma mula, queres tu dizer.
-Não me interrompas. És irritante, complicada, maluca e às vezes falas tanto e tão alto que a minha única vontade é enfiar-te uma rolha na boca.
-Podes tentar mas não te admires se não sobreviveres para contar essa história.
-És assim. E eu fui-me apaixonar por ti, sendo tu assim. Porquê?
-Isso pergunto-te eu a ti.
Ele recostou-se na cadeira e deixou sair um suspiro longo. O meu estômago estava às voltas e o meu coração batia sem parar.
-Porque és assim. E não queres saber. Porque és irónica, gozona, teimosa e irritante e tens perfeita noção disso. E não estás nem aí para quem não gosta. Porque és também muito divertida, inteligente, do tipo de pessoa com quem podemos ter uma conversa sobre o último livro do Stephen King e no momento a seguir estar a ter uma conversa sobre café. És assim. És curiosa, anseias pela vida. Queres sempre mais quando já tens tanto, perguntas sempre mais quando já te dei tantas respostas. Interessas-te por coisas que não lembram a ninguém. Fazes colecção de moedas. Mas qual é a mulher que faz colecção de moedas?
-Ah agora já sou uma mulher, é isso? Ainda há uma semana atrás era uma mera rapariga, demasiado nova para saber ou perceber fosse o que fosse.
-És assim, estás a ver? Usas essa tua máscara de má, de rija, de frívola. Como se nada te afectasse, como se nada pudesse trespassar o teu coração e destroçá-lo quando eu sei que não é bem assim.
-Ao menos sabes o que fizeste. Ao menos isso.
Voltámos a cair no silêncio, apesar de ainda haver pessoas à nossa volta, que falavam sobre o tempo, sobre as suas relações amorosas, sobre o trabalho, os filhos, a escola…sobre a Vida.
Não aguentando mais, levantei-me. Pensei que o meu peito ia explodir ali naquele momento. Peguei na mala e dirigi-me à saída. Não olhei para trás para ver se ele me seguia, porque sabia que assim era.