Por vezes ainda doí.
Por vezes (mais vezes do que as que desejaria) ainda dou por mim a contemplar a noite escura, iluminada apenas pela lua brilhante e pelas estrelas pequenas e cintilantes.
Por vezes ainda dou por mim a limpar aquela lágrima teimosa que persiste em escapar do meu olho castanho e deslizar pela cara abaixo.
Por vezes, mas só às vezes, dou por mim ainda a pensar em ti.
Em mim. Em nós.
Em como costumavas falar comigo, num tom de voz calmo e brincalhão.
Em como era costume acordar todos os dias com um sorriso parvo a iluminar-me o rosto, como segundos depois de abrir os olhos, virava a cara para o lado direito e via a razão desse mesmo sorriso ali, deitada ao meu lado, a dormir profundamente.
Como conseguias alegrar o mais triste dos meus dias, como conseguias com um único gesto, um único olhar, uma única palavra, fazer-me sentir a mulher mais amada do mundo.
As nossas longas conversas ao telefone quando te ausentavas em trabalho.
As lágrimas de felicidade derramadas de cada vez que atendia o telefone e ouvia a tua voz, profunda, rouca e sexy do outro lado da linha.
As lágrimas de tristeza e saudade de cada vez que te despedias de mim dizendo: "Desculpa, tenho de desligar. Amo-te muito"
Por vezes, ainda dou por mim a sorrir.
Aquele sorriso contido, pensador, sonhador.
Um sorriso esboçado por mim, mas completamente e unicamente teu.
Tão teu...
Toda eu sou, ainda hoje, tua.
Por vezes, dou por mim deitada na cama a tentar adormecer.
Mas o sono não vem. A noite traz-me apenas a saudade, a mágoa, as recordações dos dias partilhados entre nós.
Depois vem a culpa. Sei o que fiz.
Mas sei também que o fiz por ti.
Por vezes dou comigo a sonhar contigo. Sonho tanto contigo.
Um descampado verde coberto de flores. Duas figuras, uma alta e com bom porte, de cabelos castanho-claros e outra, esguia e elegante, de cabelos ruivos. As suas mãos unem-se numa só e as suas almas também.
Somos nós. Rimos e somos felizes, ali, naquele canto da minha mente que durante a noite está mais desperta que eu durante todo o dia.
Eu sei, esta carta está a tornar-se demasiadamente lamechas, deprimente.
Provavelmente vai acabar no caixote do lixo, o que está agora debaixo da minha secretária.
No entanto, a minha mão não consegue parar.
O meu coração muito menos.
Ele não consegue parar. Não pára de doer, de relembrar, de sofrer, de amar.
De te amar.
Por vezes dou por mim a odiar-te.
Mas depois lembro-me de que fui eu quem te obrigou a partir.
Então, o objecto do meu ódio passo a ser eu.
E por isso, e apenas por isso, te escrevo esta carta.
Não porque dou comigo por vezes a sonhar contigo, a lembrar-me de ti, a amar-te ou a odiar-te. Com isso posso eu bem.
Mas porque todos os dias, desde que te fostes embora, dou por mim a odiar-me.
E se há coisa mais dolorosa do que te amar, é odiar-me.
Porque antes de aprender a amar-te, passei pelo maior dos infernos para me conseguir amar.
Porque para te amar a ti, tenho primeiro de me amar a mim.
Se quero recuperar o teu amor, tenho primeiro de recuperar o amor que tinha por mim.
Até lá... continuarei a amar-te, por vezes... às vezes... mas no fundo, bem no fundo... para sempre.